Todavia, antes da era cristã, a crença generalizada (adores outambém de Alexandre, seus histori ambos) era que quem desejava atingir a imortalidade precisaria imitar os faraós egípcios.
Essas tradições egípcias afirmavam que em épocas imemoriais os "Deuses do Céu" chegaram à Terra, vindos do Disco Celestial. Quando o Egito sofreu uma grande inundação, "um grande deus que veio (à Terra) no mais antigo dos tempos" chegou ao país e literalmente ergueu-o de sob as águas e lama, representando o Nilo e fazendo extensas obras de drenagem e contenção. (Era por isso que o Egito tinha o nome de "Terra Elevada".) Esse antigo deus chamava-se Ptah - "O Construtor". Contava-se que ele era um grande cientista, mestre engenheiro e arquiteto, o Principal Artífice dos deuses, que até contribuíra para a criação e formação do homem. Seu cajado freqüentemente era mostrado sob a forma de uma vara graduada, bem parecida com a usada pelos agrônomos modernos na medição de terras .
Com o passar do tempo, Ra acabou dividindo o reino entre seus dois filhos, Osíris e Set, mas o governo conjunto dos irmãos não deu certo. Set estava sempre tentando derrubar e matar Osíris. Depois de muitas marchas e contramarchas, Set finalmente conseguiu enganar Osíris fazendo-o entrar num ataúde, que logo mandou vedar e afundar. Ísis, irmã e esposa de Osíris, conseguiu encontrar o ataúde, que flutuara, indo chegar às praias do atual Líbano. Esta escondeu o corpo do marido e partiu para pedir ajuda aos outros deuses que poderiam ressuscitar Osíris. Set, porém, descobriu o corpo e cortou-o em pedaços, dispersando-os pelos quatro cantos da Terra. Auxiliada por sua irmã, Néftis, Ísis conseguiu reunir todos os pedaços (exceto o falo) e, recompondo o corpo mutilado do marido, devolveu-o à vida.
A glória dos Senhores da Eternidade,
Ao lado daquele que brilha no horizonte,
No caminho de Ra.
O lugar de Osíris no trono do Egito foi assumido por seu filho, Hórus. Quando ele nasceu, sua mãe, Ísis, o escondeu entre os juncos do Nilo (exatamente como, segundo a Bíblia, fez a mãe de Moisés) para mantê-lo fora do alcance de Set. O menino, porém, foi picado por um escorpião e morreu. Sem perder tempo, Ísis apelou a Thot, um deus com poderes mágicos, que acorreu em seu socorro. Thot, que estava nos céus, veio à Terra no "Barco dos Anos Astronômicos", de Ra, e ajudou-a a trazer Hórus de volta à vida.
Por motivos inexplicados, o governo de Hórus foi seguido de um período de caos e declínio. Não se sabe quanto tempo ele durou. Finalmente, por volta de 3.200 a.C., uma "raça dinástica" chegou à região e um homem chamado Menés ascendeu ao trono de um Egito reunificado. Foi então que os deuses concederam ao país a civilização e aquilo que hoje chamamos de religião. O reinado iniciado por Menés continuou por 26 gerações de Faraós até a dominação persa em 525 a.C. e depois atravessou os períodos grego e romano (quando reinou Cleópatra).
Quando Menés, o primeiro faraó, estabeleceu o reino unido, escolheu um ponto médio do Nilo, um pouco ao sul de Heliópolis, para nele instalar a capital dos dois Egitos. Imitando as obras de Ptah, mandou fazer um aterro elevando-se acima das águas do Nilo e nele construiu Mênfis, dedicando seus templos a Ptah. Mênfis perdurou como centro político-religioso do país por mais de mil anos.
A cerca de 2.200 a.C., houve grandes conturbações no Egito, cuja natureza não está clara para os estudiosos. Alguns acham que invasores asiáticos dominaram o país, escravizando o povo e acabando com a adoração dos deuses. Seja o que tenha restado de um simulacro de independência, ele foi mantido no Alto Egito - as regiões menos acessíveis ao sul. Quando a ordem foi restaurada, cerca de 150 anos depois, o poder político-religioso - atributo da realeza emanava de Tebas, uma antiga mas não tão imponente cidade do Alto Egito, às margens do Nilo.
O deus de Tebas era chamado Amen - "O Oculto" -, o Amon que Alexandre considerava seu divino pai. Como deidade suprema, ele era adorado como Amen-Ra, "O Ra Oculto", e não está bem claro se era o mesmo antigo Ra, agora de alguma forma invisível ou "oculto", ou uma outra divindade qualquer.
Em Tebas e suas redondezas (agora conhecidas como Karnar, Luxor e Deir-el-Bahari), Alexandre encontrou os santuários e templos dedicados a Amon, que continuam impressionantes nos dias de hoje, apesar de estarem em ruínas. Em sua maioria, esses monumentos foram construídos pelos faraós da 12ª. Dinastia, um dos quais provavelmente era "Sesonchusis", que procurara pela Água da Vida 1.500 anos antes do rei da Macedônia. Um dos templos colossais foi erigido pela rainha Hatshepsut, que também tinha a fama de ser filha do deus Amon.
Essas alegações de parentesco divino não eram incomuns. A reivindicação do faraó ao estado de divindade, baseado no simples fato de ocupar o trono de Osíris, às vezes era ampliada por alegações que o governante era filho ou irmão deste ou daquele deus ou deusa. Os estudiosos consideram que essas afirmações só têm significado simbólico, mas alguns faraós, como três reis da 5ª. Dinastia garantiam que eram fisicamente filhos de Ra, por ele gerados através da fecundação da esposa do alto sacerdote de seu templo.
Outros reis atribuíam sua descendência de Ra a meios mais sofisticados. Dizia-se que o deus incorporava-se no faraó reinante e, através desse subterfúgio, podia ter relações sexuais com a rainha. Assim, o herdeiro do trono podia afirmar ser descendente direto de Ra. Mas, além dessas pretensões específicas de uma origem divina, todos os faraós eram teologicamente considerados a encarnação de Hórus e assim, por extensão, filhos de Osíris. Em conseqüência, o faraó tinha direito à vida eterna exatamente da maneira experimentada por Osíris: ressurreição após a morte, uma Outra Vida.
Era a esse círculo de deuses e faraós semi-divinos que Alexandre ansiava se juntar.
Os antigos encantamentos apelavam aos deuses para compartilharem com o faraó sua comida divina: "Levem este rei convosco para que ele possa comer o que comeis, beber o que bebeis, viver onde viveis". E, mais especificamente, como escrito na pirâmide do faraó Pepi:
De vosso eterno sustento,
Vossa eterna bebida.
Junto ao qual descem os Grandes Deuses.
Os Grandes da Estrela Imorredoura
Dão a Pepi a Planta da Vida
Da qual eles vivem,
Para que ele também possa viver.
As representações egípcias mostram o falecido (às vezes com sua esposa) nesse paraíso celestial, bebendo a Água da Vida, da qual nasce a Planta da Vida, sob a forma de tamareira, com seus frutos doadores de vida.
Depois de ganhar uma nova vida e até ficar rejuvenescido, o faraó levaria uma existência paradisíaca: "Sua provisão é entre os deuses: sua água é vinho, como a de Ra. Quando Ra come, dá a ele; quando Ra bebe, dá a ele". E, com um toque de psicoterapia do século XX, o texto acrescenta: "Ele dorme profundamente todos os dias... passa melhor hoje do que ontem".
O faraó parecia pouco preocupado com o paradoxo de que primeiro teria de morrer para então conseguir a imortalidade. Como surpresa governante das Duas Terras do Egito, ele gozava da melhor vida possível na Terra. Mesmo assim, a ressurreição entre os deuses era uma perspectiva muito atraente. Além disso, somente seu corpo físico seria embalsamado e emparedado, pois os egípcios acreditavam que cada pessoa possuía um Ba, algo semelhante ao que chamamos de "alma", que, como um pássaro, subia aos céus depois da morte, e também um Ka - em geral traduzido por Duplo, Espírito Ancestral, Essência ou Personalidade -, e era sob essas formas que o faraó via-se trasladado para a Outra Vida. Samuel Mercer, em sua introdução para os Textos das Pirâmides, concluiu que Ka significava a personificação mortal de um deus. Em outras palavras, o conceito sugeria a existência de um elemento divino no homem, um duplo celestial ou divino que podia retomar a vida no outro mudo.
A essa altura. a múmia estava envolta em muitas camadas de ataduras de linho e coberta pela máscara fúnebre de ouro. Assim, tocar sua boca (ou da estátua) só podia ser um ato simbólico. De fato, o sacerdote não se dirigia ao falecido, mas aos deuses, pedindo-lhes para "abrirem a boca" para o faraó poder ascender à vida eterna. Eram feitos também apelos especiais ao "Olho" de Hórus, perdido na batalha com Set, para ele providenciar a "Abertura da Boca", de modo que fosse aberto "um caminho para o rei entre os Luminosos, para que ele possa se estabelecer entre eles".
Assim, auxiliado por um mensageiro divino, o faraó saía da tumba lacrada pela porta falsa. E os sacerdotes cantavam: "O rei está a caminho do céu! O rei está a caminho do céu!”
Sua oferenda sairá dos céus.
O rei é aquele "Que Volta de Novo".
Porém, antes de o faraó subir ao céu para comer e beber com os deuses, precisava empreender uma árdua e perigosa viagem. Sua meta era um país chamado Neter-Khert, "A Terra dos Deuses da Montanha". Esse local às vezes era pictoricamente escrito em hieróglifos colocando-se o símbolo para Deus (Neter) sobre uma balsa, pois, de fato, para atingir essa terra o faraó tinha de atravessar um longo e tortuoso lago de Juncos. A área pantanosa seria vencida com a ajuda de um Barqueiro Divino. Todavia, antes de transportar o morto, ele o interpelava sobre suas origens: O que o fazia pensar que tinha o direito de atravessar o lago? Seria mesmo filho de um deus ou deusa?
Depois do lago, de um deserto e uma cadeia de montanhas, passando por deuses guardiães, o rei chegava ao Duat, a mágica "Morada para Subir às Estrelas", cuja localização e nome vêm confundindo os estudiosos há muito tempo. Alguns pensam que se tratava do Outro Mundo, a Morada dos Espíritos, para o qual o rei, tal como Osíris, deveria ir. Outros afirmam que ele era um Mundo Subterrâneo e, de fato, muitas das cenas que o descrevem mostram um labirinto de túneis, cavernas com deuses que não podem ser vistos, poças de água fervente, luzes fantasmagóricas, câmaras guardadas por pássaros e portas que se abrem sozinhas. Essa terra mágica possuía doze divisões e era atravessada em doze horas.
Por mais confusos que sejam, os Textos das Pirâmides, ao seguirem o progresso do faraó ao longo de sua vida, morte, ressurreição e translação para uma Outra Vida, consideravam como o maior problema humano a incapacidade de voar como os deuses. Um deles resume esse problema e sua solução em duas sentenças: "Os homens são enterrados, os deuses voam para o alto. Façam com que este rei voe para o céu (para ficar) entre seus irmãos, os deuses". Um texto da pirâmide do faraó Teti expressava a esperança do faraó e seus apelos aos deuses nas seguintes palavras:
Eles não têm Nome.
Peguem vosso Teti pelos braços.
Levem o rei Teti para o céu,
Para ele não morrer na Terra entre os homens.
Muito do que atualmente se sabe sobre o tema veio dos Textos das Pirâmides - milhares de versos agrupados em centenas de Elocuções - que foram descobertos gravados ou pintados (na escrita hieroglífica do Egito Antigo) nas paredes, passagens e galerias das pirâmides de cinco faraós - Unas, Teti, Pepi I, Merenra e Pepi II - que reinaram entre 2.350 e 2.180 a.C. Esses textos foram organizados e numerados por Kurt Sethe em sua magnífica obra Die altaegyptischen Pyramidentexte, que até hoje permanece como a mais importante fonte de referência sobre o assunto, junto com sua contrapartida em inglês, The Pyramid Texts, de Samuel A. B. Mercer.
Os milhares de versos que compõem os Textos das Pirâmides parecem ser apenas uma coleção de invocações repetitivas, desliga das umas das outras, com súplicas aos deuses e exaltação dos reis. Para obter algum sentido de todo esse material, os eruditos elaboraram teorias sobre uma mudança de teologias no Egito Antigo, com um conflito e posteriormente uma fusão entre uma "religião solar" e uma "religião celeste", entre um culto de Ra e um de Osíris, e assim por diante, salientando que estamos lidando com material que se acumulou ao longo de milênios.
Para os estudiosos que encaram essa massa de versos como expressões de mitologias primitivas, fruto da imaginação de pessoas que estremeciam de pavor ao ouvirem o trovão ou vento rugindo e chamavam esses fenômenos naturais de "deuses", esse versos continuam tão confusos como sempre. Porém, há um ponto sobre o qual não existem dúvidas: todos concordam que esses textos foram extraídos pelos escribas da época de escrituras mais antigas e aparentemente bem organizadas, coerentes e inteligíveis.
Inscrições posteriores em sarcófagos e ataúdes, e também em papiros (estes, em geral, acompanhados de ilustrações), comprovam que os versos, Elocuções e Capítulos - com títulos como "Capítulo daqueles que ascendem" - foram copiados do "Livro dos Mortos", como "Aquele que está no Duat", "O Livro dos Portões" ou "O Livro dos Dois Caminhos". Os peritos acreditam que, por sua vez, esses "livros" eram versões de duas obras básicas anteriores: velhos escritos que tratavam da jornada celestial de Ra e uma fonte qualquer posterior a eles enfatizando a bem-aventurança na Outra Vida para aqueles que se juntassem a Osíris ressuscitado. Ambas falavam de comida, bebida e prazeres na Morada Celestial. Versos dessas antigas obras costumavam também ser gravados em talismãs para propiciarem ao usuário "união com mulheres noite e dia" ou "desejo de mulheres" o tempo todo.
As teorias acadêmicas, contudo, deixam sem explicação os aspectos mais intrigantes das informações oferecidas por esses textos. O Olho de Hórus, por exemplo, era um objeto que existia independentemente do deus, sendo algo em cujo interior o faraó podia entrar e que mudava de cores, indo do azul para o vermelho, quando era "potencializado". Há também balsas auto-propelidas, portas que se abrem sozinhas, deuses de rostos brilhantes que não podem ser vistos. No Mundo Subterrâneo, supostamente habitado somente por espíritos, são mostrados "cabos de cobre" e "pontes levadiças". E o mais intrigante aspecto de todos: Por que, se a transfiguração do faraó o levava para o Mundo Subterrâneo, os textos afirmam que "o rei está indo para o céu?”
No conjunto, os versos indicam que o rei está seguindo o caminho dos deuses, atravessando um lago da mesma maneira que um deus fez anteriormente, usando um barco como o de Ra e ascendendo "equipado como um deus", tal como Osíris etc. etc. Então nos ocorrem as perguntas: E se esses textos não eram fantasias primitivas, mera mitologia, mas relatos sobre uma viagem simulada, onde o falecido faraó era visualizado imitando o que os deuses realmente tinham feito? Não seriam esses textos cópias (com a substituição do nome dos deuses pelo do rei) de escrituras mais antigas, tratando das viagens de deuses, não de faraós?
Um dos mais famosos egiptólogos do passado, Gaston Maspero (L'Archéologie Égyptienne e outras obras), analisando os Textos das Pirâmides com base na forma gramatical e outros indícios, sugeriu que eles se originaram nos primórdios da civilização egípcia, talvez até mesmo antes do surgimento da escrita com hieróglifos. Mais recentemente, J. H. Breasted, em Development of Religion and Thought in Ancient Egypt (Desenvolvimento da Religião e Pensamento no Egito Antigo), concluiu que não resta dúvida de que existiu um material mais antigo, quer o possuamos ou não. Ele encontrou nos textos informações sobre condições de civilização e eventos que confirmam a veracidade dos textos como transmissores de informações factuais e não meras fantasias. "Para alguém de imaginação ativa", diz Breasted, "eles abundam em quadros de um mundo há muito desaparecido, do qual são apenas um reflexo.”
Vistos em seu todo, os textos e ilustrações posteriores descrevem uma viagem a um reino que começa ao nível do solo, prossegue para o subsolo e termina numa abertura pela qual os deuses - e os reis que os imitavam - eram lançados em direção ao céu. Daí a conotação hieroglífica combinando um local subterrâneo com uma função celestial.
Terão os faraós, saindo de seus sepulcros para a Outra Vida, realmente feito esse caminho para o céu? Os próprios antigos egípcios afirmavam que a viagem não era para ser feita pelo cadáver mumificado, mas pelo Ka (Duplo) do rei. Porém, eles visualizaram esse Duplo reencenando um avanço real por lugares que acreditavam verdadeiramente existir.
Então, se os textos refletem um mundo que existiu mesmo, a viagem do faraó para a imortalidade, embora sendo uma imitação, não estaria seguindo passo a passo viagens verdadeiras feitas em épocas pré-históricas?
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