Este artigo escrito por Tatiana Tavares, publicado no portal iG - sobre a antiga descoberta que fala do Australopithecus sediba - um hominídeo cujos restos conhecidos têm cerca de 1,977 milhão de anos de idade, com margem de erro de dois mil anos.
Homínideo africano de 2 milhões de anos tem traços humanos. Análises aprofundadas do fóssil indicam que Australopithecus sediba possuía características modernas, como fazer ferramentas.
Crânio do Au. sediba: fóssil de dois milhões de anos com características de seres humanos modernos. Crédito: Science/AAAS |
Cinco artigos que serão publicados na edição desta semana do periódico Science indicam que o Australopithecus sediba - hominídeo que viveu há dois milhões de anos - pode estar mais próximo do gênero Homo, ao qual pertence o ser humano, do que se imaginava.
Dois espécimes - uma mulher adulta (chamada de MH-2) e um menino (MH-1) - foram descobertos numa caverna da África do Sul e divulgadas em abril do ano passado, às vésperas da Copa, por um estudo coordenado por Lee Berger, da Universidade de Witwatersrand, em Johannesburgo, e também publicado pela Science.
Agora, os cinco novos artigos demonstram um avanço nas pesquisas e, a partir da análise detalhada do cérebro, da pélvis, das mãos e dos pés desses exemplares, trazem novas evidências. Entre elas, a de que o Au. sediba carregaria as características primitivas do Australopithecus, mas também as características modernas e os traços humanos do Homo. Nesse contexto, os pesquisadores, liderados por Berger, sugerem que o Au. sediba seja encarado como o melhor candidato a antepassado do gênero Homo.
As descobertas estão lançando dúvidas sobre antigas teorias a respeito da evolução humana, incluindo a noção de que a pélvis dos primeiros humanos teria evoluído em resposta a um cérebro de grandes proporções, em uma clara adequação ao momento do nascimento de cada indivíduo. Sugerem ainda que, tendo em vista as características dos pés e das mãos, o Au. sediba carregaria a capacidade de produzir e manejar ferramentas, ou seja, ele poderia ser considerado um “faz tudo”. Poderia ser o caso, inclusive, de rever o grupo em que a espécie se encontra atualmente, de acordo com os cientistas.
“Existem aspectos que sugerem a produção e o uso de ferramentas feitas de pedra, o que geralmente é um traço associado com o gênero Homo”, explicou Steve Churchill, da Universidade de Duke, nos Estados Unidos. Mas quando questionado sobre a possibilidade de enquadrar o hominídeo em questão no gênero Homo, Lee Berger indica cautela: “Que eu saiba, não faz parte da definição do gênero Homo o manuseio de ferramentas. Isso me parece ser aplicado com muita frequência. Se você tem ferramentas, então você está inserido no gênero Homo. Mas, tecnicamente, isso não faz parte da definição”.
“As muitas características modernas encontradas no cérebro e no corpo do Au. sediba, em conjunto com a data em que ele viveu, torna-o possivelmente o melhor candidato a ancestral ao nosso gênero, mais até do que achados anteriores, como o Homo habilis”, explica Lee Berger.
Cérebro escaneado
Raio-x do crânio permitiu detalhamento inédito do cérebro do Au. sediba. Crédito: Science/AAAS |
Em relação ao cérebro do Australopithecus sediba, a pesquisa realizou o raio-X mais apurado e revelador já feito em um ancestral humano - o escaneamento do crânio em alta resolução do hominídeo, realizado no European Synchrotron Radiation Facility (ESRF), na França, deu aos pesquisadores uma visão profunda e detalhada sobre o Au. sediba e a época de seu surgimento, formando uma imagem de alta resolução que mostra detalhes mil vezes menores do que um milímetro.
Entre os achados, está o de que o cérebro do Au. sediba possui uma mistura de características humanas quanto de chimpanzés. Segundo a autora principal do artigo que dá conta dos achados sobre o cérebro, Kristian Carlson, da Universidade de Witwatersrand, uma das descobertas é a de que o conteúdo e a forma do cérebro do Au. sediba se assemelham mais aos humanos do que aos chimpanzés. Sua forma geral se assemelha mais aos humanos do que aos chimpanzés e, dado o seu pequeno volume, este resultado é consistente com um modelo de reorganização gradual neural na parte frontal do cérebro, uma região ligada a linguagem e comportamento social em humanos.
“De fato, uma das maiores descobertas é que a forma do cérebro do sediba não é consistente com um modelo de aumento gradual do cérebro, hipótese que havia sido lançada anteriormente e que justificaria a transição entre Australopithecus e Homo”, afirma Kristian Carlson.
Pélvis moderna
Pélvis do Au. sediba já era larga para acomodar fetos de cabeças maiores, como aconteceria mais tarde com o gênero Homo. Crédito: Science/AAAS |
As pesquisas também demonstraram uma combinação de características primitivas e modernas na pélvis da espécime feminina encontrada (MH-2): as articulações sacroilíaca e da coxa são pequenas, e o ramo pubiano é longo, como visto em outra espécie de Australopithecus. Por outro lado, foram encontradas outras características que são típicas do gênero Homo.
Acredita-se que a pélvis do gênero Homo evoluiu para ajustar cérebros maiores dos filhotes, para viabilizar os nascimentos. Mas o Au. sediba já apresenta pélvis moderna sem que a caixa craniana seja grande o suficiente para justificar a mudança.
Segundo Job Kibii, pesquisador da Universidade de Witwatersrand, a descoberta do sediba lança sérias dúvidas sobre outro modelo estático na evolução da pélvis no gênero Homo, aquele que indica um aumento da pélvis para que esta se acomodasse ao tamanho do crânio. “Foi surprendente descobrir tão avançada pélvis em uma criatura com um cérebro tão pequeno, em função das ideias anteriores que tínhamos, como a origem do formato da pélvis humana”, disse Kibii.
Com as mãos de um faz-tudo
Mão direita do fóssil feminina comparada a uma mão humana: possibilidade do uso de ferramentas. Crédito: Science/AAAS |
Assim como as outras partes analisadas, as mãos e os pés do Au. sediba também apresentam características modernas e primitivas ao mesmo tempo. O fóssil analisado é o mais completo fóssil de hominídeo já encontrado - estão faltando apenas alguns ossos da mão e do pulso. Assim, foi possível estudar a mão como um todo e não apenas ossos isolados, como até então havia sido feito.
Os pesquisadores analisaram a presença de uma série de características humanas, tais como a precisão do Au. sediba ao pegar objetos e sua capacidade de construir ferramentas de pedra. Concluíram que o Au. sediba tem muitas características humanas, incluindo um polegar relativamente longo em comparação aos outros dedos, o que poderia facilitar a execução de muitas tarefas. E o mais importante: constataram que o Au. sediba apresenta maior capacidade de fabricar ferramentas em comparação ao fóssil OH 7 (conhecido como “Johnny's Child”, descoberto em 1960) que foi utilizado para definir a espécie Homo habilis, conhecidos até então como os primeiros “faz tudo”.
Outra conclusão a que chegaram os pesquisadores a partir da mão do Au. sediba é a de que ele conseguia se locomover pelas árvores - a morfologia verificada nas mãos do hominídeo sugere que ele seria capaz de subir em árvores e realizar as flexões necessárias para a tarefa.
Segundo Tracy Kivell, pesquisadora do Departmento de Evolução Humana do Instituto Max Planck Institute para Antropologia Evolucionária, na Alemanha, a mão do Au. sediba ainda é primitiva em diversos aspectos se comparado com um humano moderno. Ela esclarece que a equipe de cientistas não está sugerindo que o Au. sediba seja o único hominídeo capaz de fabricar ferramentas há cerca de 2 milhões de anos. As diferentes capacidades do Au. sediba e do Homo habilis em produzir ferramentas poderia, assim, sugerir que existiram hominídeos com mãos morfologicamente distintas mas com as mesmas característica de um “faz tudo”.
“Quando nós comparamos o sediba com o Homo habilis percebemos que o sediba tem um aspecto mais moderno. Isso sugere que o Au. sediba tenha sido também um ‘faz tudo’”, afirma Tracy.
Uma caminhada bípede
A análise dos pés e dos tornozelos do Au. sediba demonstra que muito provavelmente ele subia em árvores e praticava uma forma de caminhada bípede, reforçando os achados sobre as mãos da espécime e colocando luz sobre um possível caminhar ereto. De acordo com Bernhard Zipfel, cientista da Universidade de Witwatersrand, o tornozelo da fêmea (MH-2) é um dos mais completos já encontrados entre os hominídeos. Ele destaca que nunca um tornozelo com esse misto de características primitivas e modernas havia sido descrito.
Verificou-se que a articulação do tornozelo é larga como a de um humano, chegando o hominídeo a ter um tendão de Aquiles bem definido. No entanto, o calcanhar e o osso da canela se parecem mais aos descritos em macacos, achado que surpreendeu a equipe.
“Existe uma área na parte frontal do calcanhar do Au. sediba encontrada apenas em humanos e em alguns hominídeos, sugerindo um arco para o pé. Vimos que esse primitivo fazia buracos em seu calcanhar, o que normalmente não se vê em uma criatura que andava ereta. Essa foi a maior surpresa”, disse Zipfel.
Por Tatiana Tavares;
E aqui, podem conferir o documentário do National Geographic sobre “O Menino de 2 Milhoes de Anos”: http://tantettaus.blogspot.com.br/2014/01/documentario-o-menino-de-2-milhoes-de.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Por favor: não perturbe, nem bagunce! Apenas desejamos que seja amigo com os demais! Seja paciente, humilde e respeitoso com os outros leitores. Se você for ofendido, comunique-se conosco. Obrigado!