02/03/2014

O Modelo de Tycho Brahe e Johannes Kepler Para o Sistema Solar

O astronômo e filósofo Johannes Kepler, ficou famoso por formular e verificar as três leis do movimento planetário conhecidas como as leis de Kepler. Junto com o  astronômo dinamarquês Tycho Brahe, ambos são destaque no artigo abaixo.


Este artigo apresenta o desenvolvimento dos conceitos relacionados às órbitas dos planetas, quando por volta do século XIV algumas indagações sobre o real modo de organização do sistema planetário eram constantes. Tais questionamentos só vieram a obter refinamento matemático por volta da metade do século XVII com observações e constatações de fenômenos supralunares observados e trabalhados pelo nobre astrônomo dinamarquês Tycho Brahe, que apesar de sua visão de universo ainda ter recaído em um equivoco (dizia que a Terra ocupava o centro do universo), seus pensamentos e trabalhos influenciaram bastante no desenvolvimento da ciência moderna, pois ele desenvolveu técnicas de observação muito modernas para sua época.

Brahe influenciou um jovem alemão residente em Praga, Johannes Kepler, que aprimorou seus trabalhos com maior rigor e precisão, observou fenômenos além-lua, discorreu sobre a organização das órbitas planetárias e em especial trabalhou em problemas que envolviam a órbita de marte. Ao contrário de seu empregador, Kepler fortificou a teoria heliocêntrica, dando então crédito aos trabalhos de Copérnico, porém com uma ênfase maior em métodos matemáticos.

Introdução sobre o modelo do Sistema Solar

Os trabalhos de Tycho Brahe (Fig.1) e Johannes Kepler (Fig.3) sobre movimento dos astros foram de fundamental importância para o desenvolvimento da ciência física, em especial a astronomia. As ideias de Brahe e Kepler serviram como apoio para o surgimento da ciência moderna, pois o conhecimento que se tinha sobre o universo até por volta do século XV estava atrelado a conceitos aristotélicos, que tinham como base a filosofia natural. Brahe ainda se prendeu a conceitos arcaicos, como foi o caso de sua crença em um sistema geocêntrico (Fig.2);

já Kepler, inovador ímpar, adentrou numa visão já idealizada anteriormente por Copérnico, defendendo assim o modelo heliocêntrico de organização planetária.

O objetivo deste artigo é apresentar o desenvolvimento dos conceitos relativos às órbitas dos planetas. Nele dá-se ênfase às observações e registros de dados feitos por Tycho Brahe e aos consequentes trabalhos feitos por Johannes Kepler, seu discípulo e amigo, que consolidaram o modelo heliocêntrico para o Sistema Solar.

As proposições iniciais

No século XIV, o monge Nicolas de Cusa (1265-1321) decidiu pôr a ciência a serviço da filosofia. Revolucionariamente, considerou que a lógica aristotélica só servia para questões finitas e que, sendo Deus infinito, a Terra não era o centro do universo, nem o único lugar onde havia vida. Nesse período havia criticas a respeito do movimento da Lua, não bem explicado por Ptolomeu (90 - 168), e seu respectivo modelo geocêntrico.

O astrônomo, matemático, padre, médico e economista polonês Nicolau Copérnico (1473-1543) concordou com críticas feitas ao modelo ptolomaico, e apoiando-se em filósofos gregos que já haviam sugerido o movimento terrestre, considerou que, se o Sol fosse colocado no centro do universo e a Terra fosse vista como um planeta girando ao seu redor, as previsões dos movimentos planetários se ajustariam perfeitamente.

Copérnico que guardou seu livro De Revolutionibus Orbitum Coelestium por cerca de trinta anos, fez poucas observações astronômicas, talvez porque contasse com instrumentos rudimentares, e não defendeu com afinco o empirismo, pois continuou a acreditar nas supostas esferas celeste de astros fixos, embora maiores do que se acreditava anteriormente, e ainda usou os epiciclos de Ptolomeu para explicar alguns problemas.

Copérnico repudiou a filosofia natural vigente, justificando que assim deveria ser porque a matemática a exige. E a partir desse pensamento copernicano foi que a matemática se adentrou no contexto da filosofia natural, para contribuir no desenvolvimento da ciência moderna.

O surgimento das observações modernas

E é posterior às ideias copernicanas, com tentativas de modernizar pensamentos científicos que perduravam a milênios, que surge um nobre dinamarquês, de nome Tycho Brahe (1546-1601), o último dos grandes astrônomos antes da invenção do telescópio. Brahe nascido três anos após a morte de Copérnico, e sustentado por seu soberano da ilha de Hveen, manteve um observatório astronômico onde registrou mapas celestes de extrema precisão, com validade ainda hoje.

Figura 1. Retrato de Tycho Brahe
Muito além da astronomia trabalhada em seu tempo, Brahe introduziu o rigor da precisão e a noção de erro na ciência. Seus instrumentos foram planejados de modo a marcar uma graduação suficientemente espaçada para ser dividida em frações de até 1/3600 de grau (um segundo). Na maioria eram sextantes e quadrantes de grandes dimensões, comparados um com outros nos seus resultados - corrigindo-se os erros sistemáticos -, noção seguida pela primeira vez na medição científica.

Com instrumentação moderna para a época, e consequente alto grau de precisão, Brahe notou, em 1564, que as tabelas que tratavam de aproximação de órbitas planetárias, não previam com exatidão a aproximação dos planetas Júpiter e Saturno, e, quando uma “estrela nova” surgiu na constelação de Cassiopéia, em 1572, e observou um cometa, em 1577 - descobrindo que esse corpo estava cerca de seis vezes mais distante que a Lua -, deu mais um golpe mortal na concepção aristotélica de um universo sem imperfeições e imutável, que considerava cometas e meteoros como sendo fenômenos atmosféricos sublunares, na categoria dos ventos e tempestades.

Mesmo provando que o céu é mutável, o protestantismo de Brahe não admitia tirar a Terra do centro do universo, como Copérnico o fizera. Manteve o geocentrismo, com Lua, Sol e estrelas fixas ao redor. Nesse novo sistema de entender o universo, o Sol girava em torno da Terra nas vinte e quatro horas, carregando consigo Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno. No geral o modelo de Brahe é um misto dos modelos (geocêntrico e heliocêntrico) propostos: a Terra permanece imóvel; a Lua e o Sol giram ao seu redor; só que os planetas estariam girando em redor do Sol. Entretanto, matematicamente funcionava de maneira similar ao de Copérnico, só que podia-se eliminar os epiciclos de Ptolomeu.

Figura 2. Modelo planetário de Tycho Brahe. (Corral, 1997)

Com tantos achados, os planetas começaram a serem considerados corpos independentes no espaço. Nessa época a ordem celeste de Aristóteles e Ptolomeu já estava morta pelo olhar científico.

Observações e o rigor matemático

Figura 3. Retrato de Johannes Kepler.
(Borges, 2001)
Brahe com suas observações precisas tinha liquidado o pensamento aristotélico e ptolomaico vigentes. Devido a alguns desentendimentos palacianos, Brahe migrou para Praga, e foi nessa cidade que conheceu o jovem alemão Johannes Kepler (1571-1630), que lá se refugiara devido à sua explicação sobre o cosmo e também devido a um edito contra os protestantes.

Kepler manteve um relacionamento complicado com Brahe, onde este sendo um homem abastado, contratou aquele para elucidar suas observações sobre a órbita de Marte, que vinha deixando os astrônomos perplexos há vários anos.

Ao contrário de seu empregador, Kepler sempre teve uma vida muito conturbada, isso desde o seu nascimento na cidade de Weil der Statdt em Wurttemburg.

Filho prematuro, Johannes foi uma criança doente. Tinha miopia, visãomúltipla, problemas estomacais e furúnculos, mas sua inteligênciasuperior foi reconhecida desde criança. (PIRES, 2008, p. 97)

Kepler estudou pouco devido a problemas financeiros, mas conseguiu obter sua graduação em 1588, e três anos depois se tornou mestre em filosofia. Em 1594, Kepler torna-se professor de astronomia e matemática da escola luterana de Gratz, localizada na Áustria. Ele se considerava mau professor, mas foi numa de suas aulas para poucos alunos que em 1595 lhe veio um lampejo, onde pensou que se existem 5 sólidos regulares e 6 planetas conhecidos, isso não poderia ser mera coincidência.

Em 1598, Kepler é obrigado, pela igreja católica, juntamente com os demais professores protestantes, a sair de Gratz, buscando lugares mais tranquilos e melhores oportunidades de trabalho. (Rocha, 2002, p. 79)

Figura 4. Modelo dos sólidos regulares.
(Dados de Deus, 2011)
A partir da ideia de sólidos regulares, Kepler começou a montar um sistema geométrico onde tentava explicar as órbitas dos planetas, e esta teoria geométrica das órbitas e distâncias planetária lhe inspirou a escrever Mistérios do Cosmos (Mysterium Cosmographicum), publicado em 1596. Brahe ficou intrigado de imediato com o bom trabalho do jovem Kepler, e foi por consequência disso que aquele o contratou.

A partir da ideia de sólidos regulares, Kepler começou a montar um sistema geométrico onde tentava explicar as órbitas dos planetas, e esta teoria geométrica das órbitas e distâncias planetária lhe inspirou a escrever Mistérios do Cosmos (Mysterium Cosmographicum), publicado em 1596. Brahe ficou intrigado de imediato com o bom trabalho do jovem Kepler, e foi por consequência disso que aquele o contratou.

Posteriormente, como não conseguiu ajustar a hipótese geométrica das órbitas com os trabalhos de Brahe, acabou abandonando essa linha de raciocínio e começou a trabalhar com novas hipóteses.

Depois de transcorrido um ano e meio de sua relação profissional com Brahe, o astrônomo dinamarquês adoeceu repentinamente durante um jantar, e morreu em poucos dias de infecção na bexiga. Kepler então ascendeu ao cargo de matemático imperial e viu-se livre para vislumbrar o trabalho sobre a teoria planetária feita por seu mestre e companheiro Brahe. Kepler após a morte daquele, lançou-se a buscar os dados observados pelo mesmo, antes que os herdeiros pudessem se apoderar deles.

Kepler utilizou-se dos dados de Brahe, incluindo logaritmos que ele mesmo havia desenvolvido, na previsão das posições dos planetas. Ele logrou prever o trânsito do Sol por Mercúrio e por Vênus. De trabalhos aprimorados por ele, a partir de resultados obtidos por Brahe, Kepler criou um livro intitulado Tábuas Rudolfianas, que veio a ser publicado só em 1627.

Desde antes da morte de Brahe, Kepler vinha estudando a órbita de Marte, trabalho esse que lhe ocupou por oito anos, sendo que em uma ideia momentânea lhe veio à resolução do problema, ele observou que se fosse adotada uma órbita elíptica para o tal planeta, não haveria mais mistério; nascia assim a sua 1ª lei.

Os planetas apresentam órbitas em forma de elipse, com o Sol ocupando um de seus focos; e têm velocidades cariáveis ao longo da órbita, sendo mais velozes quando mais próximos estiverem do Sol. (Braga, 2004, p. 82).

Em 1605, Kepler anunciou a sua primeira lei, a conhecida lei das elipses, que afirma que os planetas se movem em trajetórias elípticas, com o Sol em um dos focos. A Terra, afirmou Kepler, cumprindo a sua translação elíptica, está próxima do Sol em alguns meses do ano, e distante em outros. Daí surge sua segunda lei, a lei das áreas iguais, que diz que os planetas varrem áreas iguais em períodos similares. Kepler publicou ambas as leis em 1609 no seu livro Nova Astronomia.

Dez anos depois da elaboração de suas duas primeiras leis, Kepler enunciou sua terceira lei, que estava fundamentada em uma relação matemática entre período de translação dos planetas e o raio de suas órbitas ao redor do Sol. Essa lei foi publicada em 27 de maio de 1618 no seu trabalho intitulado Harmonias do Mundo (Harmonice Mundi). Neste trabalho de uma série de cinco livros, Kepler estendeu sua teoria da harmonia para a música, astrologia, geometria e astronomia. Tal obra foi produzida em um momento conturbado da vida de Kepler, onde o mesmo havia a pouco tempo defendido sua mãe do tribunal católico, que a estava acusando de bruxaria, e, além disso, morreram sua mulher e alguns de seus filhos, entre os quais o seu preferido.

Kepler acreditava ter descoberto a lógica divina na criação do universo, e no quinto livro de sua obra harmonias do mundo, escreveu:

Me atrevo a confessar francamente que roubei os vasos de ouro dos egípcios para fabricar um tabernáculo ao meu Deus longe das terras do Egito. Se me perdoarem, eu me alegrarei; se me reprovarem eu o suportarei. O dado foi lançado, e estou escrevendo o livro; se para ser lido agora, ou pela posteridade, não importa. Ele pode esperar um século por um leitor, assim como o próprio Deus esperou seis mil anos por uma testemunha. (HAWKING, 2005, p. 110).

Em 1630, aos 58 anos de idade, Kepler estava novamente com dificuldades financeiras (na realidade nunca havia tido uma vida financeira confortável). Ele partiu para Regensburg, onde esperava receber uma quantia devida por trabalhos prestados. Mas foi tomado por uma febre poucos dias após sua chegada, e no dia 15 de novembro do mesmo ano faleceu.

A influência de Kepler em trabalhos vindouros

Apesar de não ter obtido fama como o renomado Galileu, sua obra foi extraordinariamente útil a astrônomos como Newton, que se debruçaram sobre detalhes e a precisão da ciência praticada por Kepler. Tudo que este havia descoberto estava intimamente ligado à sua visão de Deus, pois o mesmo era um homem que preferia a ordem estética e uma harmonia ímpar.

Então, com os estudos de Brahe e Kepler a divisão aristotélica entre os movimentos sub e supralunares ou celeste, deixara de ser defensável. Ao remover a Terra do centro do universo, com explicações plausíveis para vários problemas, Kepler contribuiu para a dissolução das esferas celestes, e eliminou o mecanismo invocado para o movimento dos planetas, e foi influência para trabalhos diversos posteriores a ele.

Conclusão

Vê-se nesse artigo, que o caminho percorrido na evolução de conceitos do movimento dos astros, e consequente desenvolvimento da ciência, não foi fácil, onde muitos desafiaram ideologias estereotipadas para defender suas ideias, contudo, os que contribuíram para o desenvolvimento do conhecimento humano com relação às órbitas dos planetas e corpos celestes, com respectivos fenômenos, estavam determinados a descobrir as leis que regem o movimento dos corpos no universo, e graças a tais destemidos, o conhecimento do homem evoluiu bastante, especialmente na astronomia, mas isso não significa que a ciência não possa evoluir mais, pois a mesma está sempre em busca de novas descobertas, e isso para o bem comum da humanidade.

Referências:

  1. Borges, Daniel. Johannes Kepler. Disponível em: www.dannybia.com/danny/pens/johannes_kepler.htm. Acesso: 28 de set. 2011.
  2. Braga, Marco, Guerra, Andreia, REIS, José Cláudio. Breve história da ciência moderna, volume 2: das máquinas do mundo ao universo-máquina. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.
  3. Cherman, Alexandre, 1972. Sobre os ombros de gigantes: uma história da física. Rio de Janeiro 2ª ed. Jorge Zahar Ed., 2005.
  4. Corral, Marco Arturo Moreno. V. Heliocentrismo. Disponível em: http://bibliotecadigital.ilce.edu.mx/sites/ciencia/volumen3/ciencia3/155/htm/sec_9.htm. Acesso: 28 de set. 2011.
  5. Costa, J. R. V. Os astrônomos: Tycho Brahe. Tribuna de Santos, Santos, 27 set. 2004. Caderno de Ciência e Meio Ambiente, p. D-2.
  6. Deus, Dados de. Demonstração da 2ª Lei de Kepler. Disponível em: www.dadosdedeus.blogspot.com/2011/08/demonstracao-da-2-lei-de-kepler.html. Acesso: 28 de set. 2011.
  7. Filho, Kepler de Souza Oliveira. Biografias. Disponível em: http://astro.if.ufrgs.br/bib/bibkepler.htm Acesso: 29 de set. 2011.
  8. Gleiser, Marcelo. A dança do universo: dos mitos de Criação ao Big Bang. Marcelo Gleiser. - São Paulo: Companhia das Letras, 2006.Gottschall, C. A. M. Do mito ao pensamento científico: a busca da realidade, de Tales a Einstein. São Paulo: Atheneu; Porto Alegre: Fundação Universitária de Cardiologia, 2004.
  9. Hansen, Steven. Tycho Brahe. Disponível em: http://astronomylinks.wikispaces.com/Tycho+Brahe. Acesso: 28 de set. 2011.
  10. Hawking, Stephen. Os gênios da ciência: sobre os ombros de gigantes. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
  11. Pires, Antonio S.T. Evolução das ideias da física. São Paulo: Editora livraria da física, 2008.
  12. Rocha, José Fenando. Origens e evolução das ideias da física. - Bahia: Edufba, 1ª Ed. 2002.

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