Em algum lugar da península do Sinai, os Nefilim instalaram seu espaço-porto pós-diluviano e alguns poucos e escolhidos mortais, com as bênçãos de seus deuses, podiam se aproximar de uma determinada montanha. Foi lá que Alexandre.
O grande, recebeu a ordem do homem-pássaro que montava guarda: "Volta! Volta, pois a terra em que estás pisando é solo sagrado!" Também foi lá que homens-águia atacaram Gilgamesh com seus raios atordoadores, quando então perceberam que ele não era um simples mortal.
Os sumérios chamavam essa montanha de Ma.Shu - o Monte do Supremo Barco. As lendas de Alexandre referem-se a ele como o monte Mushas - a montanha de Moisés. A natureza, as funções idênticas e o mesmo nome sugerem que em todos os casos ele era um marco geográfico indicando aos aventureiros o destino final de sua longa jornada. Assim, parece que a resposta à pergunta: "Em que lugar da península ficava o portão do espaço-porto?", está bem próxima. Afinal, a montanha do Êxodo, o "monte Sinai", claramente marcada nos mapas da região, é o mais alto entre os grandes maciços de granito do sul da península.
Há 33 séculos os judeus comemoram sua Páscoa, ocasião em que relembram o êxodo do Egito. Os registros históricos e religiosos estão cheios de referências a esse evento, às perambulações pelo deserto e a aliança com Deus feita no monte Sinai. O povo judeu é constantemente lembrado da Teofania, quando toda a nação de Israel viu o Senhor Iahweh resplandecendo em toda sua glória no monte sagrado.
No entanto, os registros sempre procuraram não colocar ênfase excessiva sobre a localização exata dessa montanha, de modo a não estimular a transformação do lugar num centro de culto. Não existe nenhuma menção na Bíblia sobre alguém que tenha ao menos tentado voltar ao monte Sinai para uma vista, com exceção do profeta Elias. Cerca de quatro séculos depois do êxodo, ele fugiu para salvar sua pele depois de ter matado os sacerdotes de Baal no monte Carmelo. Tentando atingir o monte, Elias perdeu-se no deserto. Foi um anjo do Senhor que o fez recobrar a consciência e que o abrigou numa caverna da montanha.
Atualmente, pelo menos à primeira vista, ninguém precisa de um anjo protetor para encontrar o monte Sinai. O peregrino moderno, como tantos outros no passado, dirige seu rumo para o mosteiro de Santa Catarina, que tem esse nome em homenagem à Catarina do Egito, santa e mártir, cujo corpo foi levado para a montanha mais alta da península pelos anjos.
O peregrino, depois de passar a noite no mosteiro, começa a subir o djebel Musa ("monte Moisés", em árabe) logo ao nascer do dia. Esse é o pico mais meridional de um maciço de 3 quilômetros que se eleva ao sul do mosteiro e trata-se do monte Sinai "tradicional", ao qual estão associados a Teofania e a entrega das Tábuas da Lei.
A subida até esse monte é uma empreitada longa e penosa, pois ele tem 760 metros de altura. Um dos meios é se utilizar uma escada com 4 mil degraus construída pelos monges na encosta oeste do maciço. O caminho mais fácil, mas que consome várias horas de caminhada, começa no vale, entre o maciço e uma montanha que apropriadamente tem o nome de Jetro, o sogro de Moisés, e vai subindo pela encosta leste até atingir os últimos 750 degraus da primeira trilha. Foi nessa interseção, segundo as tradições dos monges, que Elias encontrou-se com o Senhor.
Uma capela cristã e um santuário muçulmano, ambos pequenos e de construção modesta, marcam o local onde as Tábuas da Lei foram entregues a Moisés. Uma caverna próxima é venerada como sendo a "fenda na rocha", onde Deus mandou Moisés se esconder durante sua passagem, como relatado em Êxodo 33:22. Um poço que fica na trilha de descida é identificado como o local para onde Moisés levava o rebanho de seu sogro para beber água. Em toda a região do djebel Musa e seus arredores existem marcos definidos pelas tradições dos monges para todos os eventos associados com a montanha sagrada.
Do djebel Musa, pode-se avistar os outros picos do maciço de granito e, surpreendentemente, nota-se que ele parece ser mais baixo que muitos de seus vizinhos.
De fato, para fortalecerem a lenda de Santa Catarina, os monges afixaram no mosteiro uma placa que diz:
Dessa forma, o visitante é levado a acreditar que o monte Santa Catarina é mesmo o mais alto da península e por isso teria sido escolhido pelos anjos para abrigar o corpo da santa. Ao mesmo tempo, o peregrino também fica um tanto decepcionado ao constatar que, ao contrário das crenças, Deus, ao levar os filhos de Israel para aquela região, com a intenção de impressioná-los com seu poder e impor suas leis, não escolheu para isso a montanha mais alta.
Teria Deus se enganado na escolha do monte?
Em 1809, o erudito suíço Johann Ludwig Burckhardt chegou ao Oriente Médio sob o patrocínio da Associação Britânica para a Promoção de Descobertas no Interior da África. Depois de estudar os costumes muçulmanos e árabes, ele vestiu uma túnica, colocou um turbante e assumiu um novo nome, passando a chamar-se Ibrahim Ibn Abd Allah - Abraão, o Filho do Servo de Alá -, e assim conseguiu viajar por áreas até então proibidas aos infiéis. Nessas viagens, ele descobriu, entre muitas coisas, os templos egípcios de Abu Simbel e Petra, a cidade de pedra dos nabateus, na Transjordânia.
Em 15 de abril de 1816, Burckhardt partiu de Suez, em lombo de camelo, decidido a seguir a rota do êxodo, pretendendo estabelecer a verdadeira localização do monte Sinai. Seguindo o caminho presumível dos israelitas, ele viajou rumo sul, acompanhando o litoral oeste da península. Nessa região, o terreno montanhoso começa a cerca de 15 ou 20 quilômetros da costa, formando-se assim uma desolada planície litorânea cortada aqui e ali por wadis e algumas fontes de águas quentes, inclusive uma que costumava ser freqüentada pelos faraós.
Enquanto descia pelo platô de calcário da península, Burckhardt ia anotando a geografia, topografia e distância da região, comparando os marcos, condições e nomes de lugares com as descrições das várias etapas do êxodo registradas na Bíblia. Quando termina esse platô calcário, inicia-se uma faixa de areia, que o separa de um cinturão de arenito núbio. Essa faixa de terreno arenoso é uma dádiva da natureza para o viajante que pretende atingir o interior da península, pois ela funciona como uma avenida que corta o Sinai de leste a oeste. Foi por meio dela que Burckhardt penetrou no interior da península. Depois de algum tempo de viagem, ele tomou rumo sul, entrando na área das montanhas de granito, e acabou atingindo o mosteiro de Santa Catarina pelo norte (como faz atualmente o peregrino que chega de avião).
Algumas de suas observações continuam sendo de grande valia para os estudiosos. A região, como ele registrou, produzia excelentes tâmaras; os monges, por tradição, costumavam enviar grandes caixas de frutas ao sultão de Constantinopla como um tributo anual. Tendo feito amizade com os beduínos da área, Burckhardt acabou sendo convidado para a festa anual de "São Jorge", que os árabes chamavam de "El Kadir" - o "sempre verde"!
O explorador suíço subiu aos montes Musa e Santa Catarina, e estudou minuciosamente seus arredores, tendo ficado especialmente fascinado com o monte Umm Shumar - apenas 55 metros mais baixo que o Santa Catarina -, que se eleva um pouco a sudoeste do grupo Musa-Santa Catarina. Visto de longe, seu pico cintila ao sol "com uma brancura incrível", devido a uma quantidade incomum de mica na rocha, formando um "impressionante contraste com a superfície escura da ardósia e do granito vermelho" da parte mais baixa da montanha e suas adjacências. O pico também era o único que proporcionava uma visão mais livre do
golfo de Suez ("o porto de El-Tor estava claramente visível") e do golfo de Ácaba. Examinando os documentos arquivados no convento, Burckhardt descobriu a informação de que antes o monte Umm Shumar era a principal localização dos povoados monásticos.
No século XV:
- "Caravanas de asnos carregados de milho e outras provisões passaram regularmente por esse lugar, vindos de El-Tor, pois este é o caminho mais próximo do porto".
O pesquisador suíço voltou via wadi Feiran e seu oásis, o maior da península sinaítica. No ponto onde o wadi deixa as montanhas e atinge a faixa litorânea, ele encontrou e escalou uma montanha magnífica, o monte Serbal, com 2.074 metros de altitude, um dos mais altos da península, onde encontrou restos de santuários e inscrições de peregrinos. Depois de pesquisas adicionais, Burckhardt determinou que o principal centro monástico da região fora, durante muitos séculos, essa área do Feiran com sua imponente montanha.
Quando Burckhardt publicou suas descobertas (Travels in Syria and the Holy Land), houve uma comoção nos meios bíblicos e acadêmicos, pois, segundo ele, o verdadeiro monte Sinai não era o monte Musa, mas o Serbal!
Inspirado pelas propostas de Burckhardt, o conde francês Léon de Laborde viajou pela península sinaítica em 1826 e 1828. A principal contribuição que deixou para o conhecimento da região foram seus excelentes mapas e desenhos (em Commentaire sur L'Exode). Em 1839, o artista escocês David Roberts seguiu o mesmo roteiro.
Seus magníficos e cuidadosos desenhos, embelezados com uma pitada de imaginação, despertaram grande interesse naquela época em que ainda não existia a fotografia.
Uma outra viagem importante pela região foi a realizada por Edward Robinson e Eli Smith, dois americanos. Tal como Burckhardt, eles partiram de Suez em camelos, levando consigo o livro do suíço e os mapas de Laborde, e levaram treze dias para chegar ao Santa Catarina. No mosteiro, Robinson estudou minuciosamente as lendas do lugar e descobriu que existira mesmo em Feiran uma comunidade monástica superior, às vezes liderada por bispos, à qual o Santa Catarina e outros mosteiros eram subordinados. Ele constatou também que os santuários de Santa Catarina e Musa não tinham tido grande importância nos primeiros séculos da era cristã e que a supremacia do primeiro só começara a se estabelecer no século XVII, quando as outras comunidades caíram nas mãos de invasores e salteadores. Estudando as tradições árabes, Robinson descobriu também que os nomes bíblicos "Sinai" e "Horeb" eram totalmente desconhecidos para os beduínos e que foram os monges de Santa Catarina que os aplicaram a certas montanhas.
Então Burckhardt estava certo? Robinson, segundo seu livro Biblical Researches in Palestine, Mount Sinai and Arabia Petraea, não concordou com a rota que o suíço determinara como aquela usada pelos israelitas para atingir Serbal e por isso absteve-se de endossar a nova teoria. Todavia, deixou claro que tinha dúvidas a respeito do monte Musa e indicou uma montanha próxima como a melhor escolha.
A possibilidade de que a antiga tradição identificando o monte Musa como o Sinai da Bíblia podia estar errada foi encarada como um desafio pelo grande egiptólogo e fundador da arqueologia científica, Karl Richard Lepsius. Ele atravessou o golfo de Suez de barco e foi até El-Tor ("o touro"), porto onde os peregrinos cristãos que se dirigiam ao Musa e Santa Catarina costumavam desembarcar, já muito antes de os muçulmanos transformarem a cidade num importante ponto de parada e centro de descontaminação na rota entre o Egito e Meca. Perto dele eleva-se o majestoso monte Umm Shumar, que Lepsius classificou como um possível "candidato" ao Sinai, junto com o Musa e o Serbal.
Todavia, depois de extensas pesquisas e muitas andanças pela região, ele descartou essa possibilidade e concentrou-se nos dois últimos.
Suas descobertas foram publicadas em Discoveries in Egypt, Ethiopia and the Peninsula of Sinai 1842-1845 e em Letters from Egtypt, Ethiopia and Sinai, este último incluindo o texto completo (em tradução do alemão) de seus relatórios ao rei da Prússia, que patrocinava suas expedições. Este Lepsius deu voz a suas dúvidas sobre o monte Musa:
- "O isolamento do distrito, sua distância das estrelas e posição naquela cadeia de montanhas tão alta... o tornariam adequado apenas para eremitas e, pelo mesmo motivo, pouco apropriado para reunir uma grande quantidade de pessoas.
Lepsius estava certo de que as centenas de milhares de israelitas do êxodo não poderiam ter subsistido na região montanhosa em torno do Musa durante o período de quase um ano em que permaneceram na península. As tradições dos monges começavam a partir do século VI e, portanto, não podiam servir de guia para o pesquisador".
O monte Sinai, enfatizou Lepsius, tinha de ficar numa planície desértica, pois nas Escrituras ele era chamado de monte Horeb, o monte da Secura. Musa ficava entre outras montanhas e a área não era desértica. A planície costeira diante do monte Serbal ajustava-se melhor a esses parâmetros. Era grande o suficiente para acomodar as multidões de israelitas que assistiram à Teofania e o wadi Feitan adjacente era o único na região que poderia tê-las sustentado, e ao seu gado, durante um ano. Além disso, somente a posse sobre esse vale "único e fértil" poderia justificar o ataque amalecita (segundo a Bíblia, em Refidim, um desfiladeiro perto do monte Sinai). Na região em torno do Musa não existia uma área fértil, digna de ser alvo de disputa. Moisés chegou ao Sinai pela primeira vez quando procurava pasto para o rebanho do sogro, algo que poderia encontrar em Feitan, mas jamais no desolado Musa.
Mas, se o monte Musa não era o Sinai da Bíblia, o que dizer do monte Serbal? Além da sua localização "correta" em wadi Feiran, Lepsius encontrou algumas evidências concretas. Descrevendo o Serbal em termos entusiasmados, ele relatou ter encontrado em seu topo "uma profunda depressão, em torno da qual os cinco picos da montanha se juntam num meio círculo e formam uma imponente coroa". No meio da depressão ele descobriu as ruínas de um antigo convento. Em sua opinião, fora nesse local que a "Glória de Deus" descera diante dos olhos dos israelitas, que a tudo assistiam reunidos na planície a oeste da montanha. Quanto à falha que Robinson encontrara na rota do êxodo determinada por Burckhardt, e que não se encaixaria com o monte Serbal, Lepsius tinha uma teoria que poderia representar a solução do problema.
Quando as conclusões do respeitado arqueólogo foram publicadas, elas sacudiram as tradições estabelecidas, pois ele enfaticamente negava que o monte Musa era o Sinai, escolhendo para isso o Serbal, e contestava a rota do êxodo, antes aceita como plenamente estabelecida.
O acalorado debate que se seguiu à publicação de seus livros durou quase um quarto de século e gerou longas explanações de outros pesquisadores, como Charles Foster (The Historical Geography of Arabia: Israel in the Wilderness) e William H. Bartlett (Forty Days in the Desert on the Track of the Israelites), que acrescentaram novas sugestões, afirmações e dúvidas. Em 1868, o governo britânico juntou-se ao Fundo de Exploração da Palestina no envio de uma grande expedição à península sinaítica, cuja missão era fazer um extenso trabalho geodésico e de mapeamento, e estabelecer de uma vez por todas a rota do êxodo e a localização exata do monte Sinai da Bíblia. O grupo era liderado pelos capitães Charles W. Wilson e Henry Spencer Palmer, dos Royal Engineers, e incluía o professor Edward Henry Palmer, famoso especialista em assuntos árabes e orientais. O relatório oficial da expedição (Ordnance Survey of the Peninsula of Sinai) foi ampliado pelos dois Palmer em obras separadas.
Os outros pesquisadores que haviam escrito sobre a região tinham visitado o Sinai na primavera e passado pouco tempo lá. A expedição Wilson-Palmer partiu de Suez em 11 de novembro de 1868 e retornou em 24 de abril de 1869, permanecendo, portanto, na península desde o começo do inverno até a primavera seguinte. Por isso, uma de suas primeiras descobertas foi que fazia muito frio no sul montanhoso durante o inverno e lá nevava muito, tornando quase impossível a passagem pela área. Os picos mais altos, como o Musa e o Santa Catarina, permaneciam cobertos de neve por vários meses. Os israelitas, que nunca tinham visto neve no Egito, supostamente haviam passado um ano nessa região. Todavia, na Bíblia não existe nenhuma menção à neve ou mesmo a clima frio.
Enquanto o livro do capitão Palmer (Sinai: Ancient History from the Monuments) oferece dados sobre os indícios arqueológicos e históricos descobertos pela expedição - povoados antigos, presença egípcia, inscrições com o primeiro alfabeto conhecido -, o do professor Edward Palmer (The Desert of the Exodus) apresenta as conclusões da expedição sobre a rota dos israelitas e o monte Sinai da Bíblia.
Apesar das dúvidas que se mantiveram, o grupo vetou o Serbal e escolheu o Musa como o Sinai da Bíblia. No entanto, como diante do Musa não existia um vale onde os israelitas pudessem ter acampado, e assistido à Teofania, o professor Palmer apresentou uma solução: o monte Sina i da Bíblia não era o pico sul do maciço (o djebel Musa), mas o pico norte, o Ras-Sufsafeh, que dá para:
- "A espaçosa planície de Er-Rahah, onde nada mais nada menos que 2 milhões de israelitas poderiam acampar". E ele concluiu: "Apesar das antigas tradições, sentimo-nos obrigados a rejeitar o djebel Musa como a montanha onde foram entregues as Tábuas da Lei".
As teorias do professor Palmer logo foram criticadas, apoiadas ou modificadas por outros eruditos; pouco tempo depois uma variedade de picos e rotas foi apresentada ao público como sendo a citada na Bíblia.
Mas o único local da península a ser pesquisado seria mesmo o sul? Em abril de 1860, o Journal of Sacred Literature publicou uma sugestão revolucionária: a montanha sagrada não ficava no sul da península; ela deveria ser procurada no platô central. O articulista anônimo salientava que o nome desse platô - Badiyeth el-Tih - era muito significativo, pois queria dizer "o deserto da caminhada" e, segundo os beduínos locais, era por lá que os filhos de Israel tinham vagado. O artigo também sugeria que um certo pico do El-Tih era o monte Sinai bíblico.
Em 1873, um geógrafo e lingüista chamado Charles T. Beke, que já explorara e mapeara a nascente do Nilo, partiu à procura do "verdadeiro monte Sinai". Depois de várias pesquisas, Beke determinou que o monte Musa não tinha esse nome por causa de Moisés, mas sim em homenagem a um monge do século IV, famoso pela sua piedade e milagres, e que ele só passara a ser considerado a montanha de Deus por volta do ano 550.
Ele também salientou que
Flávio Josefo, o judeu que registrou a história de seu povo para os romanos depois da queda de Jerusalém no ano 70, descreveu o monte Sinai como sendo o mais alto da península, o que deixava de fora o Musa e o Serbal.
Beke também indagou: como os israelitas poderiam ter descido ao sul da península sem serem impedidos pela guarnições egípcias que patrulhavam as áreas de mineração? Essa pergunta ficou sem resposta e somou-se a muitas outras objeções que jamais foram contestadas.
Apesar de seus estudos, Charles Beke nunca será lembrado como o homem que descobriu o verdadeiro Sinai, pois ele terminou concluindo que a montanha sagrada era um vulcão que ficava em algum lugar a sudoeste do mar Morto, como está em seu livro Discoveries of Sinai in Arabia and Midian. No entanto, ele levantou muitas dúvidas que abriram caminho para um novo modo de pensar sobre a localização do monte e a rota do êxodo.
A procura pelo monte Sinai na região meridional da península estava ligada à noção de uma "travessia pelo sul" ou uma "rota sul" do êxodo. Ela afirmava que os filhos de Israel tinham atravessado o mar Vermelho no alto do golfo de Suez e em seguida, encontrando-se na faixa litorânea a oeste da península, tinham descido para o sul e, a uma certa altura, penetrado no interior, fazendo talvez o caminho seguido por Burckhardt.
A travessia no sul era uma tradição antiga e muito enraizada, bastante plausível e respaldada por várias lendas. Segundo fontes gregas, Alexandre, o Grande, tentou imitar os israelitas atravessando o mar Vermelho no alto do golfo de Suez. Outro imperador que pretendeu realizar o mesmo feito foi Napoleão, em 1799. Seus engenheiros descobriram que no local onde o golfo forma como que uma "língua" que avança terra adentro, perto da cidade de Suez, existe um espinhaço de montanha submerso, com cerca de 180 metros de largura, que atravessa o golfo de costa a costa. Nativos ousados sempre usaram essa passagem na maré vazante, caminhando com água até a altura dos ombros. Além disso, quando sopra um vento leste muito forte, essa parte do leito do mar fica quase toda exposta.
Os engenheiros de Napoleão calcularam o local e a hora exatos para seu imperador imitar os filhos de Israel, mas uma mudança inesperada na direção do vento causou um súbito avanço da maré, que cobriu o banco rochoso com mais de 2 metros de água em poucos minutos. O grande Napoleão escapou por pouco.
Essas experiências, embora fracassadas, convenceram os estudiosos do século XIX de que a travessia se dera mesmo no alto do golfo de Suez, pois o vento realmente podia criar uma passagem enxuta e sua mudança brusca fazia as águas voltarem rapidamente, podendo afogar todo um exército. Além disso, na margem oposta do golfo, já na península, havia um monte, o djebel Mur ("a montanha amarga") e perto dele um lugar chamado Bin Mur ("o poço amargo"), que se ajustavam à bíblica Mará, o local das águas amargas, que os israelitas encontraram logo após a travessia. Um pouco mais ao sul ficava o oásis de Ayun Musa - "a fonte de Moisés". Não seria essa etapa seguinte do êxodo, Elim, lembrada na Bíblia pelas suas belas fontes e numerosas tamareiras? A travessia no alto do golfo de Suez, portanto, se ajustava bem à teoria de que dali os israelitas tinham feito uma rota para o sul, não importando qual fora o caminho tomado posteriormente para atingirem o interior da península.
A travessia no sul também concordava com os estudos mais recentes sobre o Egito Antigo e a servidão dos israelitas. O coração histórico do Egito era o centro Heliópolis-Mênfis e sempre partira-se da hipótese de que os filhos de Israel tinham trabalhado como escravos na reconstrução das pirâmides de Gizé. Dessa região saía uma rota natural para o leste, que levava o viajante quase diretamente para o alto do golfo de Suez.
No entanto, quando as descobertas arqueológicas começaram a preencher as lacunas históricas e a fornecer uma cronologia adequada, ficou estabelecido que as grandes pirâmides tinham sido construídas cerca de quinze séculos antes do êxodo, ou seja, mais de mil anos antes até mesmo de os hebreus chegarem ao Egito. Os israelitas, concluíram então os estudiosos, deviam ter trabalhado na construção da nova capital que Ramsés II mandara erigir por volta de 1.260 a.C. chamada Tânis, e que ficava a nordeste do delta do Nilo. O local habitado pelos israelitas - a Terra de Gessem, da Bíblia -, conseqüentemente, teria de ficar muito mais a nordeste do que antes se imaginava.
A construção do canal de Suez (1859-1869), que foi acompanhada de uma enorme acumulação de dados topográficos, geológicos, climáticos e outros, confirmou a existência de uma fenda geológica que em eras primitivas unia o mar Mediterrâneo com o mar Vermelho através de um canal natural. Por vários motivos essa fenda foi encolhendo ao longo dos milênios, resultando numa sucessão de lagoas pantanosas, como os lagos Menzaleh, Ballah e Timsah, e mais dois lagos unidos, o Grande Amargo e o Pequeno Amargo, conhecidos pelo nome genérico de lagos Amargos. Todos eles deviam ser bem maiores na época em que o alto do golfo de Suez também estendia-se mais para o interior do continente.
Estudos arqueológicos que completaram os dados de engenharia estabeleceram que na Antiguidade havia dois "canais" na região, um que ligava o centro mais populoso do Egito com o Mediterrâneo e outro que fazia a mesma ligação com o golfo de Suez. Acompanhando os leitos naturais dos wadis ou afluentes secos do Nilo, eles transportavam água doce para a irrigação e consumo, e eram navegáveis. As descobertas confirmaram também que em tempos antigos existia uma barreira quase contínua de água que funcionava como a fronteira leste do Egito com a península do Sinai.
Em 1867, os engenheiros do canal de Suez elaboraram um diagrama mostrando uma seção transversal da região entre o Mediterrâneo e o golfo, mostrando as quatro ocorrências de terreno elevado submerso que na Antiguidade (como até nos tempos de hoje) serviam de passagens naturais, verdadeiros portais, para se entrar e sair do Egito vencendo a barreira aquosa.
(A) Entre as lagoas pantanosas de Mezaleh e lago Ballah; a cidade moderna que fica nesse local de travessia é El-Qantara ("O vão").
(B) Entre o lago Ballah e o lago Timsah; a cidade no local é Ismaília.
(C) Entre o lago Timsah e o Grande Lago Amargo - a elevação conhecida na era greco-romana como Serapeu.
(D) Entre o Grande Lago Amargo e o alto do golfo de Suez, onde existe uma verdadeira "ponte terrestre", conhecida como o Shalouf.
Por meio dessas passagens, várias rotas ligavam o Egito com a Ásia pela península do Sinai. Deve-se ter em mente que a travessia do mar Vermelho (mar/lago de Juncos) não foi um evento premeditado; ela só aconteceu depois que o faraó mudou de idéia sobre deixar os israelitas partirem. Foi então que o Senhor ordenou-os a voltar da margem do deserto, que já tinham atingido, e a "acampar junto ao mar". Portanto, originalmente, eles saíram do Egito por uma das passagens naturais. Mas qual delas?
DeLesseps, o principal construtor do canal de Suez, era de opinião que eles tinham usado o portal "C", ao sul do lago Timsah. Outros, como Olivier Ritter (Histoire de L'Isthme de Suez), concluíram, com base nos mesmos dados de engenharia, que foi pelo portal "D". Em 1874, o egiptólogo Heinrich Karl Brugsch, falando no Congresso Internacional de Orientalistas, identificou os marcos ligados à escravidão israelita e o êxodo na área a noroeste do Egito; portanto, a passagem mais lógica seria a "A".
A idéia da travessia pelo norte já tinha quase um século de idade quando Brugsch lançou sua teoria, pois fora apresentada no Hamelneld's Biblical Geography em 1796, e por vários outros pesquisadores. Todavia, Brugsch, como até seus adversários reconheceram, apresentou sua idéia com "real brilhantismo e uma impressionante quantidade de indícios comprobatórios extraídos dos monumentos egípcios". Seu trabalho foi publicado sob o título: L 'Exode et les Monuments Egyptiens.
Em 1883, Edouard H. Naville (The Store City of Pithom and the Route of the Exodus) identificou Pitom, a cidade do trabalho escravo dos israelitas, como um local a oeste do lago Timsah. Essas e outras identificações e indícios apresentados por outros eruditos, como Georg Ebers em Durch Gosen Zum Sinai, estabeleceram que o local de habitação dos israelitas ia do lago Timsah para oeste e não dali para o norte, como se imaginava. Gessem não ficava no extremo noroeste do Egito, mas sim nas cercanias da barreira aquosa.
H. Clay Trumbull (Kadesh-Barna) apresentou então a identificação que até hoje é aceita para Sucot, o ponto de partida do êxodo: tratava-se de um local de reunião de caravanas a oeste do lago Timsah e, portanto, a passagem "B" era a mais próxima. No entanto, ela não fornecia explicação para o trecho do Livro do Êxodo, 13:17-18, que diz:
- "E aconteceu que, quando faraó deixou o povo partir, Deus não o fez ir pelo caminho do país dos filisteus, apesar de ser mais perto... Deus, então, fez o povo dar volta pelo caminho do deserto do mar dos Juncos [Yam Suff]".
Trumbull então sugeriu que os israelitas, perseguidos pelo faraó, desceram mais para o sul e terminaram na passagem "D", atravessando as águas no alto do golfo de Suez.
À medida que o século XIX se aproximava de seu fim, os eruditos se apressavam a dar a palavra final sobre o assunto da rota do êxodo. Os pontos de vista dos "sulistas" foram enfaticamente resumidos por Samuel C. Bartlett em The Veracity of the Hexateuch: a travessia se dera no sul, a rota fora para o sul e o monte Sinai ficava no sul da península (em Ras-Sufsafeh, área do djebel Musa). Com igual ênfase, eruditos como Rudolf Kittel (Geschichte der Hebrãer), Julius Wellhausen (Israel und Judah) e Anton Jerku (Geschichte des Volkes Israel) apresentaram a teoria de que a travessia se dera no norte, o que significava um monte Sinai situado no norte da península.
Um dos argumentos mais fortes dos "nortistas" e que atualmente é aceito como um fato por todos os estudiosos era que Cades-Barnéia, local onde os israelitas permaneceram durante a maior parte de seus quarenta anos na península, não foi uma parada ao acaso, mas o destino premeditado do êxodo. A Cades-Barnéia da Bíblia foi firmemente identificada como sendo a fértil região dos oásis de Ain-Kadeis ("fonte de Cades") e Ain Qudeirat, situada no noroeste da península. Segundo o Deuteronômio 1:2, Cades-Barnéia ficava a "onze dias" do monte SinaL Kittel, Jerku e outros autores afirmaram, com base nessa afirmação, que o verdadeiro monte Sinai tinha de ficar nessa região.
No último ano do século XIX, H. Holzinger (Exodus) apresentou uma teoria que ficava no meio-termo: a travessia foi em "c" e a rota seguiu para o sul. Contudo, os israelitas penetraram no interior da península bem antes de atingirem as áreas de mineração egípcia protegidas por guarnições militares. Entraram no platô El-Tih, "o deserto da caminhada", e então rumaram para o norte pela planície central, indo para um monte Sinai situado ao norte.
Quando começou o século XX, a questão central dos debates deixou de ser o local da travessia e todas as atenções se voltaram para a pergunta: Qual das rotas tradicionais que atravessam a península, ligando o Egito à Ásia, usadas desde tempos imemoriais, foi a seguida pelos israelitas em seu êxodo?
A antiga rota litorânea, chamada pelos romanos de Via Maris - "O Caminho do Mar" - começava em El Qantara ("A", no mapa) e, apesar de atravessar dunas de areia em constante mutação, era abençoada com poços de água em todo o trajeto e abundância de tamareiras, que forneciam frutos doces e nutritivos na estação adequada e sombra bem-vinda o ano inteiro.
A segunda rota, começando em Ismaília ("B"), corria quase paralela à primeira, mas a cerca de 30 ou 40 quilômetros mais para o interior, atravessando colinas ondulantes e uma ou outra montanha de baixa altitude. Nela, os poços naturais eram raros e o nível do lençol freático está muito abaixo da superfície, o que exige uma escavação de vários metros para se encontrar água num poço artificial. Mesmo o viajante moderno, que faz esse caminho de automóvel, pois as estradas da atualidade seguem as trilhas antigas, logo se dá conta de que está atravessando um deserto de verdade.
Desde as épocas mais primitivas, o caminho do mar era o preferido pelos exércitos que tinham apoio naval. A rota interna, mais árdua, era escolhida pelos que não queriam ser vistos pelas patrulhas litorâneas no Mediterrâneo.
A travessia da barreira aquosa no ponto "C" podia levar tanto para essa segunda rota como para as outras duas que, saindo da passagem "D", seguiam para uma cadeia de montanhas na planície central da península. O solo duro e plano da região não favorece o aparecimento de leitos de wadis profundos e, durante as chuvas de inverno, alguns desses rios intermitentes dão a impressão de serem pequenos lagos - lagos em pleno deserto! As águas logo escorrem, mas alguma quantidade se infiltra por entre a argila e o cascalho, e é nessa área que basta uma pequena escavação para se extrair água do subsolo.
Dessas duas rotas, a mais ao norte, que saía da passagem "D", levava o viajante para o desfiladeiro de Giddi, daí para a borda montanhosa da planície central e em seguida para Beersheva, Hebron e Jerusalém. A rota mais ao sul, que entra no desfiladeiro de Mida, tem o nome árabe de Darb El Hajj - "o caminho dos peregrinos" - e foi o primeiro caminho seguido pelos muçulmanos que saíam do Egito na direção de Meca, na Arábia. Começando a viagem perto da cidade de Suez, eles atravessavam uma faixa de deserto e penetravam na área montanhosa pelo desfiladeiro de Mitla. Atravessavam a planície central até o oásis de Nakhl, onde encontravam um forte para sua proteção, poços de água e estalagens. De Nakhl rumavam para o sudeste, atingiam a cidade de Ácaba, no alto do Golfo do mesmo nome, de onde desciam a costa da península Arábica até Meca.
Então, qual dessas quatro rotas fora a seguida pelos israelitas? Depois que Brugsch apresentou a teoria da travessia no norte, muito começou a se falar sobre a afirmação bíblica relacionada com o
- "Caminho do país dos filisteus", que não fora tomado pelos israelitas "apesar de ser mais perto".
A Bíblia explica que essa rota não foi usada:
- "Porque Deus achava que, diante dos combates, o povo poderia se arrepender e voltar para o Egito".
A partir dessas palavras, os eruditos imaginaram que "o caminho do país dos filisteus" era a rota que acompanhava o litoral do Mediterrâneo (começando na passagem "A"), o caminho preferido pelos faraós para suas expedições comerciais e militares, e que, por esse motivo, estava cheia de fortes e guarnições egípcias.
Na virada do século, A. E. Haynes, capitão dos Royal Engineers, estudou as antigas rotas e recursos hídricos da península sinaítica sob o patrocínio do Fundo de Exploração da Palestina. Em seu relatório, publicado sob o título The Route of the Exodus, ele revelou uma impressionante familiaridade com as escrituras bíblicas e trabalhos de outros pesquisadores, inclusive do reverendo E. W. Holland, que esteve cinco vezes na península, e do major-general sir C. Warren, um estudioso dos recursos hídricos no "deserto da caminhada" na planície central.
O capitão Haynes debruçou-se sobre o problema do "caminho que não foi tomado". Ora, se ele não era um meio fácil de atingir o destino final dos israelitas, por que fora mencionado como sendo uma alternativa viável? Haynes também salientou que Cades-Barnéia - àquela altura já aceita como a meta preestabelecida do êxodo - ficava bem próxima da rota litorânea e, portanto, o monte Sinai, que, segundo a Bíblia, situava-se no caminho para Cades, também tinha de ficar perto dela.
Impedido de usar a rota litorânea, concluiu Haynes, Moisés provavelmente pretendeu fazer os israelitas seguirem para Cades - quando passaram pelo monte Sinai - usando a rota paralela, mais para o interior. Todavia, a perseguição dos egípcios e conseqüente travessia do mar Vermelho no ponto "D" podem ter forçado a escolha das rotas meridionais. Então a planície central era mesmo "o deserto da caminhada" e Nakhl seria uma importante estação intermediária, em cujas vizinhanças ficaria o monte Sinai da Bíblia. O monte em si deveria estar localizado a cerca de 150 quilômetros de Cades-Barnéia, o que igualaria, em seus cálculos, a distância bíblica de "onze dias". Seu candidato para ser o Sinai da Bíblia era o monte Yiallaq, uma montanha de calcário "de dimensões impressionantes, parecendo uma enorme craca" grudada na borda norte da planície central, "exatamente a meio caminho entre Ismaília e Cades". Haynes, escrevendo o nome desse monte Yalek, afirmou que ele aproxima-se bastante do antigo termo Amalek, onde o prefixo Am indica "país de".
Nos anos que se seguiram, a possibilidade de uma viagem dos filhos de Israel através da planície central ganhou vários defensores. Alguns, como Raymond Weill, em Le Séjour des lsraélites au Désert du Sinai, aceitaram bem a teoria de "um monte perto de Cades". Outros, como Hugo Gressmann, em Mose und seine Zeit, pensavam que os israelitas, ao saírem de Nakhl, não tinham ido para o nordeste, mas sim para o sudeste, tomando o rumo do golfo de Ácaba. Outros ainda - como Black, Bühl, Cheyne, Dillmann, Gardiner, Grãtz, Guthe, Meyer, Musil, Petrie, Sayce, Stade - concordavam ou discordavam total ou parcialmente dessas idéias. Mas, como todos os argumentos bíblicos e geográficos já estavam esgotados, a impressão era de que somente um teste de campo poderia resolver a questão de uma vez por todas. Porém, o maior problema era: como duplicar o êxodo, com o deslocamento de centenas de milhares de pessoas?
A resposta veio com a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), pois a península do Sinai logo se transformou na arena de um importante conflito entre os ingleses e os turcos, estes apoiados pelos seus aliados alemães, tendo como objetivo a posse do canal de Suez.
Os turcos não perderam tempo em entrar na península, e os ingleses recuaram rapidamente, abandonando seus principais centros administrativo-militares em El-Arish e Nakhl. Como os turcos não podiam avançar pelo "caminho do mar" mais fácil, devido ao mesmo e antigo motivo de o Mediterrâneo estar sendo controlado pela Marinha inimiga, eles reuniram um rebanho de 20 mil camelos para transportar água e suprimentos, e puseram suas tropas em marcha para atingir o canal pela rota mais interna, que atingira o canal em Ismaília ("B"). Em suas memórias, o comandante turco Djemal Paxá (Memories of a Turkish Statesman, 1913-1919) contou que "o grande problema, do qual dependem todas as difíceis operações militares no deserto do Sinai, é a questão da água. Em qualquer outra estação que não a chuvosa seria impossível atravessar essa área desolada com uma força expedicionária de aproximadamente 25 mil homens". O ataque turco foi repelido pelos britânicos.
Depois do fracasso dos turcos, seus aliados alemães assumiram a empreitada. Eles preferiram usar a planície central para o avanço na direção do canal devido ao solo duro e pedregoso, melhor para seu equipamento motorizado. Com o auxílio de engenheiro especializado em recursos hídricos, eles descobriram a água subterrânea e cavaram uma rede de poços ao longo de suas linhas de comunicação e avanço. Porém, seu ataque, feito em 1916, também fracassou.
Quando os britânicos desencadearam sua ofensiva, o que aconteceu em 1917, eles avançaram pela rota litorânea, a mais natural, atingindo a antiga linha de demarcação em Rafah em fevereiro de 1917 e poucos meses depois capturaram Jerusalém.
As memórias sobre as batalhas na península sinaítica escritas pelo general A. P. Wavell (The Palestine Campaigns) são de especial interesse para quem estuda a região na Antiguidade porque nelas ele afirma que o Alto Comando britânico estimava que o inimigo não conseguiria encontrar água na planície central para 5 mil homens e 2.500 camelos.
A campanha do Sinai vista pelo lado alemão é contada em Sinai, de Theodoro Wiegand e F. Kress von Kressenstein, o general comandante das tropas. No livro, a descrição dos esforços militares vem acompanhada de uma minuciosa análise sobre o terreno, clima, história e fontes naturais de água, e mostra a impressionante familiaridade dos autores com todas as pesquisas anteriores realizadas na região. Suas conclusões são semelhantes às dos ingleses: colunas em marcha, multidões de soldados e animais não poderiam jamais ter atravessado o sul da península sinaítica. Dedicando um capítulo especial à questão do êxodo, Wiegand e Von Kressenstein garantiram que "a região do djebel Musa não pode ser considerada como a do monte Sinai da Bíblia" e afirmaram que ele só poderia ser "o monumental djebel Yallek" - dessa forma concordando com o capitão Haynes. Uma outra opção, acrescentaram os autores, talvez fosse a sugerida por Guthe e outros estudiosos alemães, o djebcl Maghara, na margem norte da rota "B".
Um militar britânico, C. S. Jarvis, que depois do fim da guerra foi nomeado governador do Sinai, tornou-se talvez a maior autoridade sobre a península devido aos estudos que fez durante sua longa estada na região. Escrevendo em Yesterday and Today in Sinai, ele também garantiu que de forma nenhuma multidões de israelitas (mesmo que seu número não passasse de 600 mil, como sugerido por W. M. F. Petrie) e seus rebanhos poderiam viajar pela "massa de puro granito" do sul da península, e muito menos permanecerem lá por mais de um ano.
Jarvis acrescentou novas dúvidas às já existentes. O maná, que servira de pão para os israelitas, era o depósito resinoso, comestível, em forma de bagas, deixado por pequenos insetos que se alimentam das tamargueiras. Ora, existem poucas tamargueiras no sul da península, mas elas são abundantes no norte. Em seguida vem o caso das codornizes, que foram a fonte de carne para os israelitas. Essas aves migram da Rússia meridional, Romênia e Hungria, de onde são nativas, para passar o inverno no Sudão, de onde voltam para o norte na primavera. Até hoje os beduínos apanham com facilidade as codornizes cansadas quando elas descem nas margens do Mediterrâneo para repousar depois de seus longos vôos. As codornizes não chegam ao sul da península, e mesmo que a alcançassem por acaso, não seriam capazes de voar acima dos altos picos da região.
Todo o drama do êxodo, afirmou Jarvis, teve como cenário o norte da península. O "mar dos Juncos" era o pequeno mar Serbônico (Sbkhet El Bardawil, em árabe) e depois de atravessá-lo os israelitas tinham tomado rumo sudeste.
O monte Sinai era o djebel Hallal,
- "Um maciço de calcário de grande imponência, com mais de 600 metros de altura, que se eleva sozinho numa grande planície aluvial".
O nome árabe do monte significa "o que está de acordo com as leis", bem adequado ao local onde teriam sido entregues as Tábuas da Lei.
Nos anos que se seguiram, a pesquisa mais abrangente sobre o tema foi a realizada pela Universidade Hebraica de Jerusalém e outras instituições de estudos superiores da então Palestina. Combinando seu conhecimento profundo da Bíblia e outras escrituras com extensas investigações na região, os pesquisadores não encontraram base firme para a tradição que localizava o monte Sinai ao sul da península.
Haim Bar-Deroma (Hana gev e Vze Gvul Ha'aretz) aceitou uma travessia no norte do Egito, mas acreditava que os israelitas tinham descido para o sul, atravessando a planície central até chegar a um "monte Sinai" vulcânico, situado na Transjordânia. Três outros eruditos - F. A. Theithaber, J. Szapiro e Benjamim Maisler (The Graphic Historical Atlas of Palestine: Israel in Biblical Times) defenderam a travessia no norte, nos baixios do mar Serbônico, e afirmaram que El Arish era o verdejante oásis de Elim e o monte Hallal. Zev Vilnay, um estudioso da Bíblia que percorreu a Palestina e a península de norte a sul viajando a pé, optou pela mesma rota em seu livro Ha'aretz Bamikra. Já Yohanan Aharoni, em The Land of Israel in Biblical Times, embora aceitando uma travessia no norte, acredita que os israelitas vieram até Nakhl, na planície central, continuando depois até um monte Sinai ao sul.
Enquanto os círculos bíblicos e acadêmicos continuavam envolvidos em grandes debates, tornou-se aparente que a questão básica não resolvida era a seguinte: apesar de uma travessia no norte do Egito ser lógica, o peso das evidências negava a existência de uma extensão de água como a citada no Êxodo na região norte; no entanto, essas mesmas evidências iam contra a localização do monte Sinai no sul da península. Incapazes de resolver o impasse, os estudiosos voltaram sua atenção para o ponto em que todos concordavam: a viagem pela planície central.
Na década de 40, M. D. Cassuto (Commentary on the Book of Exodus e outras obras) facilitou a aceitação da idéia de uma rota central ao demonstrar que "o caminho não tomado" (o do país dos Filisteus) não era a rota litorânea, como antes se afirmava, mas a rota saindo de "B", mais ao interior. Assim; uma travessia no ponto "C" e em seguida a descida na direção sudeste até a planície central estava de pleno acordo com a narrativa bíblica, sem exigir a continuação da viagem até o sul da península.
A longa ocupação da península do Sinai por Israel, depois da guerra com o Egito em 1967, abriu a região para estudos e pesquisas numa escala sem precedentes. Arqueólogos, historiadores, geógrafos, topógrafos, geólogos e engenheiros a examinaram minuciosamente de alto a baixo. De particular interesse foram as explorações lideradas por Beno Rothenberg (Sinai Explorations, 1967 1972 e outros relatórios) e patrocinadas pela Universidade de Telavive demonstrando que na área litorânea ao norte a existência de muitos sítios arqueolíticos comprovaram o uso daquela rota como se fosse uma ponte terrestre entre o Egito e a Ásia. Na planície central, porém, não foram encontrados indícios de residência permanente, só evidências de acampamentos, mostrando que aquela fora sempre uma área de simples trânsito. Quando esses locais de acampamento foram mapeados, eles formaram "uma linha bem nítida indo do Neguev para o Egito e portanto essa deve ser considerada a direção normal dos movimentos pré-históricos no 'deserto da caminhada' (o El-Tih)".
Foi com base nessa nova compreensão da península sinaítica na Antiguidade que um geógrafo bíblico da Universidade Hebraica, Menashe Har-El, apresentou uma nova teoria (Massa'ei Sinai). Revendo todos os argumentos anteriores, ele salientou que o espinhaço submerso (
veja a figura 116) que se eleva entre os dois lagos Amargos, o Grande e o Pequeno, está bastante próximo da superfície da água para permitir que eles sejam atravessados a pé quando sopra um vento forte. Portanto, fora lá que se dera a travessia dos israelitas para a península. Depois eles tinham seguido a rota tradicional para o sul, passando por
Bir Murrah (Mara) e Ayun Mussa (Elim), daí atingindo a margem do mar Vermelho, onde acamparam.
É neste ponto que Har-El nos oferece sua grande novidade: apesar de viajarem ao longo do litoral do golfo de Suez, os israelitas não continuaram até o sul. Depois de avançarem uns 30 quilômetros, eles chegaram à foz do wadi Sudr e usaram o vale desse rio para penetrar na planície central e irem até Cades-Barnéia. O monte Sinai seria o monte Sinn-Bishr, que se eleva cerca de 600 metros logo na entrada do wadi. Har-El sugeriu que a batalha com os amalecitas teve lugar no litoral do golfo de Suez, mas essa idéia foi rejeitada pelos especialistas militares israelenses, familiarizados com o terreno e história dos combates na península.
Bem, depois de tudo isso, ainda estamos em dúvida. Afinal, onde ficava o verdadeiro monte Sinai? Mais uma vez temos de recorrer às evidências da Antiguidade.
O faraó, em sua viagem para a Outra Vida, dirigia-se para o leste. Depois de atravessar a barreira aquosa, rumava para um desfiladeiro, atingindo então o Duat, um vale de forma oval, cercado de montanhas. A "Montanha da Luz" ficava num local onde o rio de Osíris dividia-se em afluentes.
As descrições pictóricas (
veja a Figura 16) mostravam o rio de Osíris correndo em meandros por uma área cultivada, pois vêem-se os homens arando a terra.
Encontramos desenhos similares na Assíria. Os reis assírios, deve ser lembrado, chegavam à península vindos da direção oposta, entrando pelo nordeste, via Canaã. Um deles, Asaradão, gravou numa estela o que serve como um mapa para sua própria procura pela "Vida".
O desenho mostra a tamareira - o emblema-código para a península do Sinai -, uma área de cultivo, simbolizada pelo arado, e um "monte sagrado". Na parte superior da estela vemos Asaradão no santuário da suprema divindade, perto da Árvore da Vida.
A seu lado está a figura de um touro, a mesma imagem (o "bezerro de ouro") que os israelitas esculpiram quando estavam aos pés do monte Sinai.
Essas descrições não nos transmitem a idéia dos estéreis picos de granito no sul da península. Na verdade, elas nos trazem à mente o norte fértil e o grande wadi que domina a área, o El-Arish, cujo nome significa "o rio do agricultor". E era num vale assim, formado por um rio e seus afluentes, cercado de montanhas, que ficava o Duat.
Só existe um único lugar que reúne essas condições em toda a península. A geografia, topografia, textos históricos, descrições pictográficas, tudo aponta para a planície central que fica na região norte.
Mesmo E. H. Palmer, que chegou a ponto de inventar o desvio Ras-Sufsafeh para fortalecer a idéia da localização de um monte Sinai ao sul, sabia no fundo do coração que o local da Teofania e andanças dos israelitas não podia ser um verdadeiro mar de montanhas de granito, mas tinha de ficar numa área mais plana, capaz de receber e sustentar milhares de pessoas e animais.
- "O conceito popular do monte Sinai", ele escreveu em The Desert of the Exodus, "mesmo modernamente, parece ser o de uma única montanha isolada, capaz de ser atingida de qualquer lado, elevando-se numa ilimitada extensão de areia. A própria Bíblia, quando a lemos sem usarmos as luzes das descobertas contemporâneas, favorece essa idéia... O monte Sinai é sempre mencionado nela como elevando-se sozinho e inconfundível numa planície desértica bem nivelada.”
De fato, existe uma "planície desértica nivelada" na península do Sinai, admitiu Palmer, mas ela não é coberta de areia.
- "Mesmo nas áreas da península que mais se aproximam de nossa concepção do que deve ser um deserto - um oceano sólido, limitado apenas pelo horizonte ou uma barreira de montanhas distantes -, a areia é uma exceção e o solo mais parece uma penosa estrada coberta de cascalho do que uma praia convidativa.”
Palmer descrevia a planície central. Para ele, a ausência de areia prejudicava a idéia de "deserto" transmitida pela Bíblia. Para nós, o solo duro e pedregoso significa que a área era extremamente adequada para o espaço-porto dos Nefilim. E, se o monte Mashu marcava a entrada para o espaço-porto, ele só podia ficar nas redondezas da instalação.
Quer dizer então que gerações de peregrinos viajaram para o sul da península em vão? A veneração dos picos no maciço de granito só começou mesmo com o cristianismo? Não é o que atestam as descobertas feitas por arqueólogos nesses montes cheios de santuários, altares e outros sinais de antiga adoração na Antiguidade. As inscrições e gravações nas rochas (inclusive o candelabro judeu), feitas ao longo de milênios por peregrinos de muitas crenças, falam de uma adoração que vem desde que a Humanidade tomou conhecimento da existência da península.
A essa altura, quando estamos quase desejando que haja dois "monte Sinai", de modo a serem satisfeitas tanto as tradições como os fatos, é bom saber que essa idéia não é nova. Mesmo antes desses dois séculos de esforços concentrados para identificar qual seria o verdadeiro monte Sinai, já se imaginava se os vários nomes da Bíblia para a montanha sagrada não eram um indício de que existia não apenas uma, mas duas delas.
As narrativas falam em:
"Monte Sinai" (a montanha do Sinai ou no Sinai), onde foram entregues as Tábuas da Lei;
O "monte Horeb", a montanha da secura ou na secura;
O "monte Param" que o Deuteronômio dá como sendo o local onde Iahweh apareceu aos israelitas;
E a "montanha de Deus", onde pela primeira vez o Senhor revelou-se a Moisés.
A localização geográfica de dois desses montes é decifrável. Param era o deserto perto de Cades-Barnéia, possivelmente o nome bíblico para a planície central. Assim, o "monte Param" só podia ficar situado nessa região. Já o monte onde Moisés teve seu primeiro encontro com o Senhor, "a montanha de Deus" ou "dos deuses", não podia ficar muito longe do País de Madiã,
- Pois "pastoreava Moisés o rebanho de Jetro, seu sogro, sacerdote de Madiã. Ele conduziu as ovelhas para além do deserto e chegou à montanha de Deus, a Horeb".
Os madianitas habitavam o sul da península sinaítica, compreendendo o golfo de Ácaba e cercanias das áreas de mineração de cobre. Assim, a "montanha de Deus" só podia ficar em algum lugar do deserto adjacente - portanto, no sul.
Foram encontrados selos cilíndricos descrevendo pictograficamente o aparecimento de uma deidade a um pastor. Um deles mostra o deus surgindo entre duas montanhas, com uma árvore em forma de foguete atrás dele - talvez o Sneh, a "sarça ardente" da narrativa bíblica.
A introdução da figura de dois picos na ilustração está bem de acordo com a freqüente referência ao senhor como El-Shaddai, o Deus dos Dois Picos. Isso nos traz uma outra distinção entre o monte onde foram entregues as Tábuas da Lei e a montanha de Deus. O primeiro era uma elevação solitária, numa planície desértica, e o segundo devia ser uma combinação de dois montes ou uma montanha com dois picos.
Os textos ugaríticos falam também de uma "montanha dos jovens deuses" nas cercanias de Cades e dois picos, um pertencente a El e o outro a Asherah - o Shad Elim e o Shad Asherath u Rahim ambos situados no sul da península. Foi para essa área, na região mebokh naharam ("onde começam as duas extensões de água"), kerev apheq tehomtam ("perto da abertura dos dois mares") que El retirou-se em sua velhice. Os textos, acredito, descrevem a ponta sul da península do Sinai. A partir de tudo isso, concluo que existia um monte que marcava a entrada do espaço-porto situado na planície central e que havia dois picos na ponta sul da península que desempenhavam um papel importante nas idas e vindas dos Nefilim. Eram dois picos que sinalizavam, ou "mediam", a subida para o norte.
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